O fatídico dia durou uma semana inteira. Quanto mais próxima a data festiva, mais a apreensão e a ansiedade tomavam conta da criança de seis anos.
Ao longo dos dias, a escola se enfeitava inteira para ele, afinal, era dia dos pais. Ou melhor, dia do meu pai. Por todos os cantos do Núcleo Educacional Ser Feliz ouviam-se burburinhos das pessoas maiores sobre qual seria a comida servida, sobre quais dinâmicas aconteceriam em cada sala de aula, sobre a limpeza dos banheiros, a pintura das paredes, a previsão do tempo para o dia. Haviam tantas pessoas trabalhando para receber ele.
E isso tudo me era tão familiar. Parecia até mamãe se enfeitando para a chegada dele. O cheiro suave da colônia pós banho, a maciez da pele com o creme recém passado, os cabelos curtos cor de fogo escovados, as unhas sempre feitas da cor que ele mais gostava. A casa se arrumava inteira para sua chegada, sempre tardia. A correria para deixar o chão encerado, a toalha de mesa branca e engomada bordada por vovó. O cheiro do assado marcava nossa espera por ele para ter a janta posta.
A pequena criança olhava toda essa movimentação atônita e atenta.
Pelo princípio de que o indivíduo aprende no meio e com o meio, identifiquei os signos e os ritos do festivo cotidiano, na coletividade da escola, e do cotidiano festivo, na intimidade da casa. E foi na repetição daqueles rituais nos monumentos casa-escola que eu reforcei o mito: ele é muito importante. Tudo aquilo tinha significado pra mim, assim, a aprendizagem foi muito rápida e eficaz.
Como aprendiz de adulto, eu também enfeitava tudo para ele.
Principalmente durante aquela semana. Treinava a música, a coreografia, a ordem, o compasso, a harmonia. Repetia, repetia, repetia. Lembro de dormir pensando nisso. Escrevia cartinhas de amor que eram só palavras dispersas na folha sulfite com um desenho colorido de pai e filha. Nunca parecia bom o suficiente. Refazia, refazia refazia.
“Até ficar perfeito”
- E o que é ficar perfeito Cássia? – Pergunta o psicanalista na vídeo chamada pandêmica.
Eu penso: impressiona-lo, deixa-lo orgulhoso. Ser bonita (na medida certa), feminina (na medida certa), inteligente (na medida certa), agradável e simpática (na medida certa), forte (na medida certa) e o mais importante, não trazer aborrecimento. Mas admitir que eu, jovem-millennial-feminista, ajo para impressionar os homens ao meu redor??? Que humilhação rsrs.
Tendo me arrumado para a vídeo chamada (na medida certa), com a câmera posicionada para que ele veja meu acervo de livros e itens de arte (no ângulo certo) eu respondo sem chorar:
- Não sei Felipe, não sei.
Minha busca pelo perfeito iniciou-se naquela fatídica semana, que tinha como clímax o dia 08.08.2001, o dia do espetáculo. Mas nessa comédia de erros particular, o espetáculo não teve espectador emancipado, tampouco teve espectador. Ele não foi. Nas 4 horas de espetáculo sem público, eu fui perfeita com a esperança de que alguém estivesse olhando, de que ele estivesse olhando. Ele não estava. O show acabou, eu vi a plateia e os atores se dispersarem, e fiquei sozinha por mais duas horas.
Nesse fragmento de tempo compreendido em 6 horas, que mais pareceram 8 meses, eu gestei a fera, o meu primeiro abandono.